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24.10.12


O cérebro armazena mais facilmente impressões sobre o que se quer guardar, por prazer ou necessidade. O esquecimento está ligado à falta de importância que um dado tem ou passou a ter. Quando tido como vital, vira memória de longo prazo e dura toda a vida.



Revista Caras - por Mauro Muszkat*
O órgão mais nobre e complexo do corpo humano, o cérebro possui capacidade quase infinita para armazenar impressões vividas pelas pessoas no dia-a-dia. Esta capacidade é chamada de memória. No começo deste século, acreditava-se que o cérebro funcionava como um imenso reservatório no qual se depositavam de modo indiferenciado todas as informações recebidas pelo indivíduo. As vivências chegariam ao cérebro e ocupariam espaços iguais, independentemente da importância que tivessem para quem as recebera. Hoje sabe-se que não é assim.
O cérebro é um competente mediador de todos os estímulos recebidos pelos sentidos - visão, olfato, paladar, audição e tato. Como ele é seletivo, tornam-se memória somente as impressões que por algum motivo a pessoa quer guardar - por real interesse ou necessidade. Quanto mais interesses ela tiver, maior será o acervo arquivado. Por outro lado, quanto menor for o universo em que vive, mais fácil será saber detalhes de tudo o que lhe diz respeito. Tomemos como exemplo um pai e seu filho que vão a um parque de diversões. Passada uma semana, o pai, vidrado por carros, será capaz de se lembrar da cor e do modelo do carro importado que estava ao lado do seu no estacionamento. Já a criança, voltada para o lúdico, será capaz de descrever detalhes de cada brinquedo.
Existem níveis de mediação para que as informações sejam transformadas em memória. Quando elas passam pelos sentidos, chegam primeiro ao tronco cerebral, responsável pela distribuição das áreas específicas do cérebro. Estímulos visuais vão para uma área, auditivos vão para outra e assim por diante. O primeiro desses níveis é apenas sensorial, quando a pessoa recebe a impressão por um dos sentidos, mas não lhe dá importância. Neste caso, sua permanência na memória não ultrapassará alguns segundos. Por exemplo, não somos capazes de dizer, após um minuto, qual foi o último carro que vimos antes de atravessar uma rua. A menos que ele tenha chamado a atenção - nos interessado - por qualquer motivo. Esta é a chamada memória de curto prazo - ou imediata -, quando a informação não é armazenada como traço nas vias neurológicas. Não pode ser "puxada" depois.
Em um segundo nível, a informação que interessa é decodificada, percorre as vias neurológicas e cria traços, sendo consolidada no cérebro. Neste nível, a memória pode ser recente, quando somos capazes de armazenar dados por quinze minutos, até por meia hora; e de longo prazo, quando a informação torna-se parte da nossa vida, porque diz respeito a fatos, pessoas e lugares muito importantes ou porque a usamos com frequência - por exemplo, a fisionomia dos pais, a voz de um amigo, o caminho de casa.
A memória de longo prazo é a mais difícil de ser eliminada, pois está distribuída por rodas as áreas do cérebro. A duração da de curto prazo e da recente depende do nível de funcionamento de uma pequena estrutura cerebral chamada hipocampo, localizada na porção interna do lobo temporal e não maior do que uma amêndoa. O hipocampo faz a triagem das informações - quais são novas e quais são velhas. As novas serão guardadas de acordo com o grau de interesse despertado.
Quando lesado por alguma razão, o hipocampo perde a capacidade de fazer essa triagem, não sabe qual informação nova precisa ser separada para guardar, e o indivíduo não consegue se lembrar à tarde do que fez pela manhã, não é capaz de reconhecer alguém que lhe foi apresentado antes. Tudo será sempre novidade. É por isso que em alguns casos, como nas pessoas mais velhas - quando a irrigação sanguínea do hipocampo pode estar deficiente -, são comuns lapsos nas memórias de curto prazo e recente, enquanto a de longo prazo pode permanecer intacta, permitindo ao idoso lembrar-se até dos detalhes de sua juventude.
A capacidade de memória varia mesmo entre as pessoas saudáveis. Ela é maior em quem tem curiosidade pela vida, está sempre aberto a novidades e disposto a aprender. Para indivíduos assim, todas as informações são importantes e, por isso, largamente armazenadas no cérebro, transformando-se em memória de longo prazo. Pode-se dizer, então, que a boa memória está intimamente relacionada ao prazer de viver.
* Mauro Muszkat (35), neuropediatra, é professor-doutor de neurologia e médico do setor de epilepsias da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.

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